terça-feira, 27 de outubro de 2015

MÃOS QUE CONTAM...

"Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas porque a gente não esquece. O que a memória ama fica eterno."
Rubem Alves

As mãos acolhem o livro. Selecionam a história. Recebem os ouvintes, um grupo de Servidores Públicos Municipais que estão se preparando para a aposentadoria. 
Minhas mãos distribuem  ao centro do grupo sementes de Girassóis. Neste momento, tenho mãos de jardineira. Estou ali para "florestar corações"... E é assim que me apresento.
Carol Spieker, minha companheira no projeto "Rios da Alegria" tem as mãos inquietas. São instrumentos no ofício que tão bem representa. Mostra, gesticula, aponta... Encanta! Sua mão exibe seu compromisso com o Arte. Amor incondicional. As mãos que contam histórias movimentam Carol de um cenário imaginário a outro. A plateia vai com ela.
Minhas mãos demonstram meu entusiasmo. Quentes e úmidas pela emoção, complementam minhas ideias. Falo de uma FLOR AMARELA, teimosa...persistente. Falo ainda do homem que a encontra, vê na florzinha indefesa um obstáculo no seu caminho, que precisa ser enfrentado a qualquer custo. Esperança. Entusiasmo. A identificação de quem ouve pode ser observada também pelas mãos que descansam agora sob o colo, soltas... ou unidas. Seria uma prece inconsciente em defesa da flor?
Minha próxima história fala de uma Pipa. Relato colhido no quintal de uma Escola da Terra. Conheci as mãos do pequeno Ivan, protagonista da minha história, que "deram vida" ao brinquedo de papel de seda colorido...objeto animado do relato. E também a Escola. Palco dos voos mais altos que já pude sonhar... Um céu, onde podíamos fazer voar a alegria, a liberdade e a fantasia. Minhas mãos voam na lembrança de uma pipa no céu. Neste momento, as mãos de quem me ouve deslizam pelo rosto. As pipas de cada um, soltas ao longo da vida, são lembradas. Desapego. Mãos tentam conter uma lágrima teimosa, escorrendo emoção.
Neste momento, Seu Jairo aponta sua mão para os colegas chamando a minha atenção. "Olha ao teu redor!"- Pediu ele. Seu Jairo fora morador de rua, em boa parte da vida. Hoje, pedreiro, aguarda também a aposentadoria. No chão, parte de nossos ouvintes,  confortavelmente seguram o queixo com as mãos... Visivelmente mergulhados nos relatos apresentados. 
Seu Jairo lembra que era assim que ele, primos e irmãos ouviam as histórias da avó, ao redor de um fogão a lenha. Histórias movidas pelas mãos dos pequenos ouvintes. Que alternadamente acariciavam a cabeça da contadora de história, num gostoso cafuné. Este era o combinado...os meninos só poderiam ouvir o final da história, se as pequenas mãos também prosseguissem no carinho.
Foi possível sentir aquelas mãos grossas de pedreiro, procurando na minha cabeça alguma outra história. Foi possível tocar o mundo com as mãos do outro. A enxergar a história do outro, mesmo que seja triste. Éramos a própria história contada, e pudemos tocar o outro que também se contou (e se encontrou) ali na mesma narrativa, pudemos ser então,  ao mesmo tempo, nós e o outro. E assim, neste espaço comum, com nossas emoções compartilhadas e nossa capacidade de buscar finais felizes, talvez pudemos tornar a nossa história – e a do outro - menos triste. 
Vistas por este prisma, narrativas podem mesmo iluminar quem está na escuridão? Podem ensinar algo a quem não quer nem saber? Aprendi, com Rubem Alves, que as palavras podem, sim, ser capazes de alegrar e trazer a primavera até para as areias e gelo... 
E quando isso acontece... 





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