sábado, 15 de novembro de 2014

Eu...Flor!

A flor que és,
não a que possa comprar,
te venho oferecer.
 
Porque não tem preço
o que te ofereço.
 
E se me debruço a colher a pétala,
a terra inteira em teus dedos se desfolha.
 
E se a mais pura flor para ti desenho
a inteira pétala no nada se despenha.
Porque és a sombra do sonho em que anoiteço.
 
Morrer é ter terra finita.
E eu tenho a febre da inatingível margem.
Por isso encho de mar o teu olhar.
 
           Mia Couto

Homenagem

Sllvane Silva - Expressão de Luz

Algumas pessoas emanam uma energia especial e, assim como as flores, transformam tudo ao redor com a sua vivacidade e beleza. Assim é Silvane Aparecida da Silva, coordenadora do Projeto Rios da Alegria da Secretaria Municipal de Educação de Joinville. Seu extraordinário trabalho junto às crianças floresce nos campos de uma educação envolvente e transformadora.

A Agrícola da Ilha reverencia Silvane, e todos os verdadeiros mestres, com o lançamento que passa a fazer parte da coleção de hemerocallis para se apreciar de perto. A garganta estendida é uma bela peculiaridade desta cultivar, que expressa luz e movimento, criando um efeito diferenciado também em paisagismos de grandes áreas.

A homenageada estará presente na cerimônia oficial de lançamento, marcada para o dia 15 de novembro de 2014, às 10 horas, na capela da Agrícola da Ilha.

http://www.hemerocallis.com.br/homenagens.asp



 


GRATIDÃO!!

 

quinta-feira, 24 de julho de 2014

"Enterrar sementes ou colocá-las em um berço?"

"Esta coluna poderia se chamar também “a força de uma ideia”. Trata-se de um fato real: a história de uma mudança de palavras que se converteu na força motriz de uma experiência pedagógica em uma escola primária piloto, na preciosa cidade brasileira de Joinville, na escola municipal Hermann Muller. Foi a mudança da palavra “cova” pela palavra “berço”.

A protagonista é a professora, Silvane Aparecida, que do nada, com a força de uma ideia, começou a alfabetizar criativamente as crianças de uma zona rural. Fez isso utilizando flores e poesias, semeadas juntas no jardim da escola, no qual os alunos aprenderam a cultivar as sementes das plantas. O jardim acabou semeado também de poemas.
Os versos se convertiam em flores de palavras e os nomes das flores em cartilha do abecedário. E o milagre aconteceu; aquelas crianças de famílias pobres aprenderam a ler mais cedo do que uma criança costuma começar a reconhecer as sílabas.
No desenvolvimento dessa experiência foram envolvidos os pais dos alunos, muitos deles camponeses e caçadores, pois seus filhos, que na escola aprenderam a descobrir a força da liberdade no voo livre das aves, acabaram convencendo-os a largar as armas e deixar tranquilos os pássaros nas árvores.
Em meio a essa experiência inovadora e criativa, aconteceu algo significativo que nos obriga a pensar como são explosivas às vezes as palavras, que Silvana me contou dias atrás.
O buraco feito para colocar as sementes se chama “cova”, que lembra sepultura. A professora, que se esforça para inculcar em seus alunos a ideia motriz da vida em vez da de morte, teve a ideia (a força das ideias!) de mudar aquela palavra (a força das palavras!) e disse às crianças que para colocar as sementes, que é algo vivo e de onde nasceria uma nova vida, iam preparar para elas, em vez de uma “cova”, um “berço”. Algo construído com amor para receber uma nova vida.
Ela me contou que só com a mudança daquela palavra mudou a atitude das crianças quando preparavam a terra para colocar as sementes nela. “As crianças começaram a remover a terra com mais carinho. Faziam o buraco em forma de berço, acariciavam sua forma e dava para notar em suas mãos que estavam preparando algo precioso para colocar nele um recém-nascido”, me explicou sem conseguir esconder em seu relato um certo assombro que ainda a agitava ao se lembrar da experiência.
Aquela ideia semeada em uma simples escola primária, ensinou também aos alunos, entre outras coisas, o respeito, por exemplo, pelas diferenças a partir de uma nova dimensão. Em vez de aceitar, por compaixão, a deficiência de um aluno, que não possui, por exemplo, uma mão porque nasceu sem ela, passaram a ver isso como algo normal, simplesmente diferente.
Essa minúscula experiência, perdida entre as centenas de milhares de escolas do país, nos obriga a refletir não apenas sobre como costuma estar equivocada toda nossa pedagogia, aferrada ainda nos modelos e estereótipos medievais, mas também sobre a força que uma ideia inovadora pode ter na sociedade e em nossa própria vida pessoal ou familiar.
Continuamos sem acreditar no milagre das palavras e de seus possíveis usos e significados, da força que carregam esses símbolos e que nos distinguem radicalmente de nossos irmãos, os animais. No entanto, como ensina a psicanálise, as palavras encerram em suas entranhas uma forte carga de criatividade e periculosidade.
A ideia, simples e genial ao mesmo tempo, dessa escola de Joinville de plantar não em uma sepultura, mas em um berço, poderia ser aplicada às nossas instituições, aos projetos políticos e sociais, a toda a pedagogia da vida.
Se estivermos convencidos, por exemplo, de que a violência que configura as sepulturas para suas vítimas é mais forte que o respeito à vida; se associamos a política à rapina que acaba sepultando o fruto da corrupção nas fossas da iniquidade; ou se organizamos os benefícios da vida social dos pobres em função de espúrios lucros políticos, estamos usando o conceito de morte em vez do de vida.
É significativo que até um político experimentado como Lula tenha confessado dias atrás que a política no Brasil “está podre”.
A indiferença, a falta de respeito e até o desprezo que cresce a cada dia na sociedade contra os políticos, poderia estar relacionada, com essa preferência que hoje as instituições oferecem pelas sepulturas nas quais apodrecem a esperança de vida dos cidadãos. Algo que ocorre quando prefere-se, por exemplo, a dilapidação do público à austeridade devida ao bem comum.
Etimologicamente, em grego, política significa a “arte de viver em sociedade” e também o de “governar para o bem da sociedade”.
O social palpita no coração da palavra política, tanto que Aristóteles definiu o ser humano como zoón politikón: animal social.
Da raiz etimológica de política, nasceu a paideia ou educação, e daí a pedagogia, que é a ciência que “conduz a criança pelo caminho da vida”.
A professora Silvana poderia escolher um modo melhor de ensinar suas crianças a caminhar pela vida que estão começando, como uma flor em busca da luz do dia?
Que melhor forma de inculcar nessas crianças pulsações amorosas de ressurreição em vez de sentimentos de morte, do que converter a cova onde enterramos as sementes em berço e prepará-las para esperar uma nova vida?
É uma resposta para vocês, pais e mães de família, que a cada manhã levam com esperança seus filhos à escola com o desejo íntimo de que aprendam a amar e respeitar com alegria tudo que é vivo em vez de vê-los crescer admirando os tristes sepultadores da esperança."

 Juan Arias- El País em 20/07/2014
lhttp://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/24/opinion/1406163959_092547.html

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A PIPA

PIPA NO CÉU

“Como seria bom, se as outras pessoas fossem vazias como o céu, e não tão cheias de palavras, de ordens, de certezas. Só podemos amar as pessoas que se parecem com o céu, onde podemos fazer voar nossas fantasias como se fossem pipas.” –Rubem Alves

Manhã de Primavera... céu azul, grama verdinha, brisa gostosa ventilando as brincadeiras de um recreio animado.
No meio do azul do céu, um pontinho branco chama a atenção dos meninos... Uma pipa alçava um voo tão distante, que era impossível imaginar de onde partira.
Ivan, menino tímido, observava a tudo com atenção, seus olhos brilhavam em sinal de uma euforia contida. Fora transferido para a escola, há algumas semanas carregando alguns rótulos... repetência, déficit de atenção e baixo rendimento.
Acanhado, cabeça baixa. Ivan toma coragem e arrisca uma confissão: “Eu sei fazer pipa...”
Precisei aproveitar a abertura que aquele comentário me dava, para tentar uma aproximação afetiva: “Uma das minhas frustrações infantis, é que nunca consegui empinar uma pipa. Elas nunca passavam da minha altura.”
Minha experiência frustrada como “empinadora de pipas”, arrancou uma risada gostosa em Ivan...
Era possível até interpretar aquela risada: “Eu sei fazer algo, que a diretora da Escola não sabe!”
Adquirindo uma nova postura, Ivan me pede: “ Se eu fizer uma pipa... Posso trazer para te mostrar?”
“Claro que sim! Podes empinar a sua pipa também...”
“Aqui??” Ivan mal podia acreditar.
Afirmei positivamente, devolvendo o sorriso.
Soube que meu “pequeno artesão” aproveitou a sua tarde inteirinha se esmerando na tarefa assumida por ele.
A pipa ficou linda! Pedaços colados de papel de seda formavam um mosaico multicolorido.
Nada porém, era tão lindo quanto o sorriso de satisfação exibido por Ivan...
O céu parecia estar ainda mais azul...
No intervalo entre as aulas, cercado pelos colegas, o menino expõe sua habilidade, despertando exclamações de admiração.
A pipa subiu majestosa! Ivan mais parecia um maestro regendo os movimentos do brinquedo. O aplauso foi espontâneo.
O pontinho colorido no azul do céu, levou consigo, toda a linha do grande rolo empunhado.
Surpresa... seguida de emoção!
Ivan estava prestes a perder a sua pipa... bastaria deixar a ponta da linha escapar de sua mão.
Quando o adverti sobre esta possibilidade... confidenciou-me com certa cumplicidade (soltando a pontinha da linha, que ainda mantinha presa entre os dedos): “Quando isso acontece...ela já não nos pertence. Dou um nome a pipa...que só eu sei. É um batismo. E deixo que vá...”

Naquele momento...e dali por diante, a Escola foi o céu daquele menino...Lugar onde ele poderia fazer voar suas fantasias, a alegria e a liberdade de SER CRIANÇA.
-Silvane Silva.

Imagem poética de Silvia Silva.