quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Meu "Seu Flávio"

"O essencial, faz a vida valer a pena." - Rubem Alves

Ele é tão lindo! Tem os cabelos prateados...olhos da cor do céu. Sorri com o rosto todo! Meu PAI.
É brincalhão, simpático e tem um coração maior que ele.
Quando eu era criança, meu pai trabalhava duro em uma madeireira. Tinha as mãos grossas, calejadas. Morávamos em uma vila repleta de casinhas azuis. A nossa era diferente, no pequeno quintal, disputavam espaço, uma grande variedade de árvores. Tinha amoreira, caquizeiro, pessegueiro, laranjeira e um limoeiro que garantia os limões da caipirinha domingueira de toda a vizinhança. Durante a semana, quando meu pai não fazia serão, eu o esperava no portão. Me emociono lembrando o tamanho do fardo de lenha que trazia nas costas... A lenha garantia o fogo no fogão, em noites frias do inverno canoinhense. Ainda assim, com todo o peso nas costas, ele segurava a minha mão. Seguíamos os dois pela rua estreita... eu mal cabia em mim de tanto orgulho: Como meu pai era FORTE!
Trabalhava muito. Precisava construir a NOSSA casinha. Boa parte da construção fez com as mesmas mãos calejadas. Aos sábados, domingos...e também a noite. O cheiro bom da tinta, ainda me faz lembrar das pinceladas vigorosas, dadas por ele nas paredes da nova casa. 
Em boa parte da minha infância, não tivemos TV. Ao redor do fogão a lenha, muitas histórias. Uma infância difícil. Travessuras com os irmãos. As pescarias. Em cima do fogão, uma panela de sopa com legumes fresquinhos, colhidos na horta cultivada por ele e minha mãe...ou uma sapecada de pinhão. Depois, uma rodada de pife, ou jogo de palitos. Ah! Meu pai sempre foi um desenhista talentoso. Desenha os bichos do mato como ninguém. Utilizava a ilustração para me contar histórias. Amava estes momentos.
Religiosamente aos domingos, missa. Sempre admirei sua fé. A voz afinada ajudava a conduzir as celebrações. E como canta bonito, esse meu pai!
Com o passar do tempo, descobri também um pai avô. Aí ele experimentou de tudo com a neta. Tocou gaita de boca, embalou, cantou pra dormir, colheu cenoura da horta, porque "fazia bem para os olhos". Colocou a neta na bancada com ferramentas e Amanda divertia-se com a infinidade de possibilidades com os pequenos imãs, roelas e parafusos.  Levou a neta para a escola de bicicleta, fazendo "embaladinhas". 
Amanda em um dia dos Pais, me diz que também gostaria de presentear o avô. E me pede com emoção: "Divide o teu pai comigo?" Meu pai sempre foi referencial de Ser Humano, para os irmãos e amigos, para minha irmã, para mim e também para a minha filha. 
Nossa relação cresceu muito depois de um problema de saúde que ele teve. Tive a possibilidade de cuidar dele, foi a minha vez de torcer para que o seu coração batesse forte e saudável.
Sua relação com a natureza me encanta. Difícilmente é possível encontrá-lo sem que esteja com as mãos sujas de terra. Cultiva uma horta linda! Repleta de uma diversidade incrível de flores, alimentos e ervas medicinais. Brinca ali com a rotação de culturas. Aprende com a Mãe Natureza, a gentileza. Distribui os frutos que colhe da terra para a vizinhança toda..."Cobrar? Não! Se a Terra me dá, como posso cobrar??"Em vários pontos do quintal..."Restaurantes da Canção", bananeiras para as saíras, flores para os beija-flores. árvores para novos ninhos. Aproveita a água da chuva, enterra as cascas. Tem um galo que canta bonito e algumas galinha poedeiras. O zelo está no seu dna. Seu mais novo empreendimento é um forno a lenha. Mostra orgulhoso o feito. Felicidade com simplicidade, aprendi com ele! 
No domingo vou abraçá-lo novamente, cheirar seu cabelo, beijar seu rosto e vou mostrar-lhe este texto...É sempre assim que acontece...ELe ouve com uma atenção quase infantil. Toda poesia que eu sopro por aí, foi primeiramente compartilhada com ele. Me olha bonito, sorri gostoso, ou disfarça alguma lágrima teimosa. 

Pois é, quando criança...achava que meu pai era um herói. Hoje eu tenho certeza.


Minha homenagem a Alice e João, por eles...ele, meu Pai

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

MERECE!!

Agradecer. Sempre.
Mas agradecer verdadeiramente: as pessoas, os dias, as palavras, a vida. 
Degustar com os cinco sentidos o sexto. 
Absorver dos pés aos ouvidos cada segundo de tempo: uma breve ocasião, um longo momento. 
Estar presente, estar consigo, estar contido, mas esparrAMAR-SE com o vento. 
Perceber a sintonia do acaso, ter com o bem-estar um caso: de loucura, de ternura, de Gratidão.
Gostar de saborear o sentimento, na pluma da delicadeza. Bem-querer com verdade é da nossa natureza.
Em meio a tanta GRATIDÃO...Ouvi dos gaúchos em Pelotas, algo que trouxe comigo. A cada agradecimento meu, não ouvia um "Por nada"..."Não tem de que"... mas sim..."MERECE"!
Jeito mais lindo de expressar Gentileza..."GRATIDÃO"! -"MERECE"!
Passei a acreditar, sem pretensão nenhuma, que somos MERECEDORES de tudo aquilo que nos provoca o riso, o brilho no olhar.
Entregar-se à gentileza. Conhecer a simplicidade de tudo que  está explícito, abandonando os pré- conceitos as leituras superficiais da cena, abrir espaço para o novo, perder-se das certezas. 
Agradecer. Mas agradecer com uma intensidade sem peso, drama, jogos, teias, regras, tramas.
Agradecer. Sentir. Estar. Gostar. Conhecer...
Saber ir, bem-querer ficar.
O que vier de bom...Você MERECE!


Para Rute e Ademir,pelotenses amados, com admiração e afeto.
Aos alunos, professores e amigos da E.E.E.M.Santa Rita, 
pela "Flor Amarela" que eu vi brotar.





sábado, 21 de novembro de 2015

REVERDEJAR!

"Quando percebes a natureza apenas com a mente, por meio do pensamento, não podes sentir sua plenitude de vida, seu ser. Unicamente vês a forma e não estás consciente da vida que a anima, do mistério sagrado. O pensamento reduz a natureza a um bem de consumo, a um meio para conseguir benefícios, conhecimento, ou a algum outro propósito prático.
Observa, sente um animal, uma flor, uma árvore, e vê como descansam no Ser. Cada um deles é ele mesmo. Eles têm uma enorme dignidade, inocência, santidade. No momento em que olhas além dos rótulos mentais, sentes a dimensão inefável da natureza, que não pode ser compreendida pelo pensamento.
É uma harmonia, uma sacralidade que além de preencher a totalidade da natureza, também está dentro de ti." -Eckhart Tolle

Tenho nos últimos anos, me colocado como aprendiz da Mãe Natureza. Um exercício diário que provoca encantamento e a Paz que eu necessito pra viver.

Desenvolvemos na "Escola Flor" um canteiro permacultural, que convidava a criançada à tocar a Terra...Berços ao invés de covas. Sementes carinhosamente acolhidas pelo solo, despertavam a atenção, a contemplação...o olhar e a alegria! Não se fazia necessário uma discussão formal sobre Bulling, por exemplo. A terra acolhia a semente que alimentava toda gente, que era cuidada pelas crianças, que aprendiam com esta experiências a cuidarem de si mesmas e dos outros. O respeito às diferenças num canteiro onde predominava a Diversidade.

Na mesma Escola, recebi a visita da amiga de uma amiga. Leila visitou e fotografou todos os espaços, horta, bosque, jardim, orquidário... Ao término mostrou-me parte das imagens captadas em seu celular. Inúmeras flores, das mais variadas formas, tamanhos e cores...Disse que buscava forças naquele tão Jardim Encantado. A partir do dia seguinte, iniciaria uma batalha contra um câncer em sessões de quimioterapia...

Em uma inserção ao Eu Feminino, na Ciranda de Gaia...trouxe do Espaço Clarear-Balneário Camboriú,  uma muda de Fisalis, pequena e frágil, exigiu minha atenção e cuidado. Hoje já é uma arvorezinha e exibe os primeiros frutos. A planta florindo e frutificando, faz vibrar os compromissos assumidos com Gaia, com os que me cercam. Comigo mesma.

No mesmo vaso da Fisalis depositei três bulbos adormecidos de Narciso, uma belíssima Flor Amarela, oferecidos a mim como presente por Dora, amiga querida. Os bulbos, aparentemente sem vida, me surpreenderam hoje com a brotação. Esperança e entusiasmo renovados!

No retorno da minha ida a Pelotas, encontro minhas petúnias numa explosão de cores, que após uma boa rega...me mostram o quanto precisamos de alegria (e de água!!). Já minhas orquídeas lentamente mostram suas pequenas folhas e raízes. É preciso paciência. E a floração é apenas parte do processo. Estão lindas assim, verdes e brilhantes.

A Hemerocállis Roseana Murray, materializou há anos atrás a amorosa homenagem de uma comunidade escolar inteira, à poetisa, mulher, amiga. Poesia cultivada, plantada para sempre em terras joinvillenses.

Silvane Silva, a Hemerocállis lançada pela Agrícola da Ilha no ano passado, me trás um sinal, continuar semeando flores, poesias e abraços. Veio junto a Gratidão que continua reverberando em mim a cada dia.

Temos no Aconchego, uma roseira de flores brancas... que anunciam a chegada de pessoas muito queridas. Florescem sempre antecipando abraços demorados e risos de contentamento. Ultimamente ela não deixa de florir! Para quem chega, tem sempre um chazinho de alecrim fresco, ou um patê de ervas, frescas também. Exercito assim, a sacralidade da acolhida, do "estarmos juntos".

Nossa árvore de Natal, este ano será uma jabuticabeira, viva! Carregadinha de desejos, iluminada por nossos sonhos... enfeitada por quem chegar. Resignificados...

Entre as plantas aqui de casa, uma floreira com terra escura e adubada, aguarda novas mudas e sementes... Meu coração também aguarda o que está por vir, mãos na terra, muitas ideias na cabeça, coração repleto de gratidão!

Fábio diz que tenho o "dedo verde"...A Hemerocállis Silvane tem a "garganta verde"...
Sinto a Alma verde! REVERDEJAR é preciso! 
Pois quando reconhecemos a sacralidade, a beleza, a incrível quietude e dignidade que existem em uma flor ou em uma árvore, acrescentamos algo a esta flor ou a esta árvore e ela à nós. 
Somos todos mestres e aprendizes...naturalmente.





sexta-feira, 20 de novembro de 2015

GAE-UFPel: Canteiro de Arte, Cidadania e Sustentabilidade!


"E não esqueça que a Terra adora sentir seus pés descalços e o vento se diverte em brincar com seus cabelos". – Khalil Gibran.


Estive na Bienal Internacional de Arte e Cidadania em Pelotas, no Rio Grande do Sul, para um troca de experiências com o GAE- Grupo de Agroecologia da Universidade Federal.

Um caminho natural. Um convite à inserção. Placa com letras coloridas dá as boas vindas e o recado "Resignifique o Universo" é estampado em uma pia reutilizada para a função. Ao lado, um espiral de ervas...foi possível sentir o cheiro bom da hortelã. Abraços me acolheram... 


O encontro aconteceu aos pés da mata...o data show, instalado entre as árvores, bancos improvisados em troncos de madeira, fogo de chão, chimarrão compartilhado, um cão pedindo e recebendo carinho. Passarinhos, muitos!
O espaço mencionado é ocupado pelo Grupo de Agroecologia da Universidade Federal de Pelotas, em Capão do Leão-Rio Grande do Sul. Um laboratório vivo. Uma sala de aula ao ar livre. Estou em casa.
Nada de teoria. Os Universitários me falam sobre as ações que acontecem por lá. São afetuosos, cordiais...e tem uma Energia contagiante. Não tive dúvidas, despi meus pés e também a alma. 
Abracei a "tribo" que me acolheu!
Ana Paula da Silva introduziu a minha prosa, com sua linda voz, somada a voz de todos...FORÇA era o que a canção pedia.
Levei minhas histórias. A experiência que fez com que eu me apaixonasse pelo Planeta Terra. Falávamos a "mesma língua", Foi o que senti. Diálogo de olhos que brilham. De emoções compartilhadas. Entre saberes. Construções e desconstruções. 
A "sala de aula" onde estive, é um espaço propício para o exercício da religação com a essência da vida, ao mesmo que desperta, integra, os demais cursos...tudo isso permeado por poesia, música e boas ideias compartilhadas. Conhecimento aliado a ações. 

Acredito que a educação por uma vida sustentável estimula tanto o entendimento intelectual da ecologia, como cria vínculos emocionais com a natureza. Por isso, ela tem muito mais probabilidade de fazer com que nos tornemos pessoas responsáveis e realmente preocupados com a sustentabilidade da vida, que sejamos capazes de desenvolver uma aplicação dos nossos conhecimentos ecológicos à reformulação das nossas tecnologias e instituições sociais, de maneira a preencher a lacuna entre a prática humana e os sistemas da natureza ecologicamente sustentáveis. 
O Grupo de Agroecologia da UFPel, forma uma rede onde cada membro dá sua contribuição ao projeto. Um projeto que vem somando  conquistas...reverberando em outros espaços informações técnicas e vivências de como ser um ser humano completo no mundo natural. Talvez a experiência do GAE, da "Escola Flor" e tantas outras espalhadas pelo Brasil contenha pistas sobre como outras instituições governamentais ou não, poderiam criar um sistema de educação que não apenas formasse pessoas capazes de vencer provas, mas que também tivessem a chance de se tornarem pessoas mais humanas.


Toda GRATIDÃO..
Ao professor Zé Éverton, que com seu olhar sensível, fez a ponte entre Joinville-SC e Pelotas-RS
Ao GAE-Grupo de Agroecologia da UFPel pela feliz troca de experiências
À querida, Sarah Dorneles da Silva, por me ceder suas imagens poéticas...






quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Pérolas...


"Maria Jiló" é uma senhora de 92 anos, miúda e tão elegante , que todo dia às 08 da manhã ela já está toda vestida, bem penteada e discretamente maquiada, apesar de sua pouca visão.
Hoje ela se mudou para uma casa de repouso: o marido, com quem ela viveu 70 anos, morreu recentemente e não havia outra solução.
Depois de esperar pacientemente por 02 horas na sala de visitas, ela ainda deu um lindo sorriso quando a atendente veio dizer que seu quarto estava pronto. Enquanto ela manobrava o andador em direção ao elevador, a atendente deu uma descrição do seu minúsculo quartinho, inclusive das cortinas floridas que enfeitavam a janela.
A senhora a interrompeu com o entusiasmo de uma garotinha que acabou de ganhar um filhote de cachorrinho:
- Ah, eu amo essas cortinas!
- Dona "Maria Jiló", a senhora ainda nem viu seu quarto. Espera um pouco...
- Isto não tem nada a ver, - ela respondeu - felicidade é algo que você decide por princípio. Se eu vou gostar ou não do meu quarto, não depende de como a mobília vai estar arrumada. Vai depender de como eu preparo minha expectativa.
- E eu já decidi que vou amar. É uma decisão que tomo todo dia quando acordo.
- Sabe, eu posso passar o dia inteiro na cama, contando as dificuldades que tenho em certas partes do meu corpo que não funcionam bem...
Ou posso levantar da cama agradecendo pelas outras partes que ainda me obedecem.
- Simples assim? - pergunta a atendente.
- Nem tanto; isto é para quem tem autocontrole e todos podem aprender. Exigiu de mim um certo 'treino' pelos anos afora, mas é bom saber que ainda posso dirigir meus pensamentos e escolher, em consequência, os sentimentos.
Calmamente a senhora continuou:
- Cada dia é um presente, e enquanto meus olhos se abrirem, vou focalizar o novo dia, mas também as lembranças alegres que eu guardei para esta época da vida. A velhice é como uma conta bancária: você só retira aquilo que guardou. Então, meu conselho para você é depositar um monte de alegrias e felicidade na sua Conta de Lembranças. E, aliás, obrigada por este seu depósito no meu Banco de Lembranças. Como você vê, eu ainda continuo depositando e acredito que, por mais complexa que seja a vida, sábio é quem a simplifica.
Depois ela pediu para anotar: 

COMO MANTER-SE JOVEM
1. Deixe fora os números que não são essenciais. Isto inclui a idade, o peso e a altura. Deixe que os médicos se preocupem com isso.
2. Mantenha os amigos divertidos. Os depressivos procure ajudar se puder.
3. Aprenda sempre. Aprenda mais sobre computadores, artes, jardinagem, o que quer que seja. Não deixe que o cérebro se torne preguiçoso.
'Uma mente preguiçosa é a oficina do Alemão.' E o nome do Alemão é Alzheimer!
4. Aprecie mais as pequenas coisas. Aprecie mais.
5. Ria muitas vezes, durante muito tempo e alto. Ria até lhe faltar o ar. E se tiver um amigo que o faça rir, passe muito e muito tempo com ele/ela!
6. Quando as lágrimas aparecerem. Aguente, sofra e ultrapasse. A única pessoa que fica conosco toda a nossa vida somos nós próprios. VIVA enquanto estiver vivo.
7. Rodeie-se das coisas que ama: a família, animais, plantas, hobbies, o que quer que seja.
8. Tome cuidado com a sua saúde:
Se é boa, mantenha-a.
Se é instável, melhore-a.
Se não consegue melhorá-la, procure ajuda.
9. Não faça viagens de culpa. Faça uma viagem ao centro comercial, até a um país diferente, mas NÃO para onde haja culpa.
10. Diga às pessoas que as ama, e que ama cada oportunidade de estar com elas.

(Desconheço a autoria)


terça-feira, 17 de novembro de 2015

Em DEFESA da VIDA!

.Defendo a alegria de sexta-feira mesmo sabendo que a segunda-feira preguiçosa está quase chegando. Ainda assim, saio em defesa da esperança de dias melhores.  

Defendo a diversidade de ser eu, tu, ele, nós, vós, elas seja na raça, credo, cor e no amor. Cada um que siga o seu destino. Cada um que faça a sua história.

Defendo ser forte, fraca, vulnerável, qualquer outra coisa da série “sou”, sem inventar, pensar, medir ou retrair. Defendo a autenticidade. 

Eu defendo o livre arbítrio, portanto é permitido quebrar a cara, as regras e voltar se quiser, com o joelho roxo e o coração esfolado. Defendo porque cada um tem o direito de produzir suas próprias experiências.

Defendo o direito de ser dolorosamente humano, deliciosamente sonhador, intempestivamente corajoso. Defendo para afastar o ranço da obviedade. 

Defendo o choro quando ele for necessário e o riso quando for indispensável, porque todos possuem o direito de atolar o rosto nas tristezas, para sair com uma alegria característica da superação.

Defendo a vida como única propriedade que temos e o mais que surgir pelo caminho, são coisas sortidas, avulsas e provisórias, inclusive o amor. Então, é preciso viver mesmo denso ou delicado. Viver enquanto é tempo.

Defendo a obrigatoriedade de fazer coisas banais. Lavar louça após o jantar de comemoração, sem a tristeza de estragar as unhas. Acordar cedinho para ver o céu sem resmungar pela hora. Tomar banho, cantando desafinado, sem querer alcançar os acordes musicais de um tenor de sucesso.

Defendo a exclusividade de todos os ciclos, da fartura de felicidade a escassez de motivos. Das sombras noturnas à claridade dos dias.

Defendo a vida coletiva, a interação e a permissividade de momentos de reclusão como necessários para reabastecer a alma.

Defendo os sentimentos verdadeiros e a valentia para divulgá-los. A coragem para afastar o medo. A bondade para estender a mão. A humildade para perdoar. A infinita capacidade para recomeçar. Defendo a insistência. A tolerância e o companheirismo. 

Defendo colher girassóis à tardinha. Pintar o dia mais cinzento. Bordar ternura nas palavras mais ásperas. Celebrar a gratuidade da natureza. Cabular as mágoas. Aceitar os abraços. Dar à mão a palmatória para mudar de rota. Virar o disco.

Defendo a delicadeza das mãos dadas. A gentileza das esperas. Defendo o novo jeito de viver sem o velho manual rígido que nos obriga a fazer coisas sem sentido

Defendo a liberdade e o calor mais bonito do encontro humano. Defendo e inauguro essas anotações.

Ita Portugal