quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Tempos de Violino

História do Violino de meu Pai Benigno- por Cecília Dalva Silva.

Conto esta história a partir das lembranças que guardei em minha memória sobre meu pai Benigno Silva e seu violino.

Meu avô contava que nos idos de 1920, o seu filho Benigno, já com sete anos de idade, assoviava e cantarolava todas as canções que ouvia no pequeno rádio do Sítio onde vivia com seus pais Sebastião Silva e Antônia Teixeira e mais seus sete irmãos.Também dedilhava o violão que sua mãe tocava nas noites enluaradas daquele cantinho do céu, próximo à cidade de Mineiros do Tietê (SP).

Foi no dia em que meu avô visitava um parente (de uma família tradicional em Jaú/SP), que começou a história do Violino que veio da Itália. O Patriarca dessa família comentou com meu avô sobre um violino, que mandara vir da Itália porque desejava muito que seu filho aprendesse a tocar esse instrumento. Mas, para decepção do pai, o jovem não aceitou esse presente. Sabedor do gosto que o menino Benigno tinha por música, ofereceu ao meu avô o tal violino que estava esquecido em um armário, em troca de produtos do sítio (inclusive uma vaca de boa raça). E assim, ao cair da tarde daquele dia, o menino Benigno viu ao longe seu pai chegando com uma caixa que trazia em seu interior um presente que o acompanhou por toda sua vida. Quando Benigno pegou o violino em suas mãos, imediatamente começou a afinar as cordas como sempre fazia com o violão e começou a tirar sons dedilhando devagarinho, encantado com a sonoridade daquele pequeno instrumento. Diante da reação do filho, meu avô perguntou ao menino se ele queria aprender a tocar violino e escutou como resposta um alegre: Sim!
A partir do dia em que meu avô contratou um professor muito respeitado e exigente na cidade de Jaú (que ficava a alguns quilômetros do sítio), Benigno caminhava com seu violino, dois dias por semana, pela estrada de terra até aquela cidade para estudar. E novamente meu avô combinou pagar as aulas com os produtos do sítio.Desde então, e até quando meus avós se mudaram para a cidade de Duartina (SP), Benigno estudou, com dedicação e alegria, com esse professor. Para surpresa de todos que o conheceram, ele lia e tocava, mesmo à primeira vista, qualquer partitura que lhe pusessem à frente.

Tornou-se um notável violinista tanto na execução de músicas clássicas como populares, sempre como se o violino fosse a continuação de sua alma sensível e musical. Bastava alguém cantarolar uma canção, mesmo que ele nunca tivesse ouvido, imediatamente tocava e também escrevia as notas nas pautas dos seus inúmeros cadernos de músicas que sempre trazia consigo.

Já jovem, em Duartina, passou a tocar em um Conjunto Musical "Jazz Band" no Clube da cidade, em Casamentos, Serenatas e em Reuniões semanais com os amigos.


Casou-se com Cecília Celso com quem teve duas filhas: Cecília Dalva e Celina Maria. Contou-me minha mãe que desde meu nascimento, eu dormia, ao som do violino que meu pai tocava e tocou sempre, todas as noites de sua vida até quando faleceu aos 66 anos de idade.

Guardo comigo, em minha alma e em meu coração a lembrança de meu pai, todas as noites, inundando a nossa casa com as mais belas melodias que brotavam de seu violino, como orvalho sereno de alegria e tranquilidade.

CANTIGA PARA MEU PAI 

Hoje eu canto esta cantiga
De saudade e de esperança.
Saudade de sua presença,
Esperança de que chegue
até você
Esta cantiga sem melodia,
Notas tristes de um violino
Calado em seu cantinho
Aguardando paciente
O dedilhar de seu violinista.

Deve haver em algum lugar,
Nesse Universo infinito,
Um violino silente;
Quando encontrá-lo,
Toque, meu pai,
Como fazia, 
Quando eu era pequenina,
Para sua filha dormir!

O céu brilhará com suas músicas
E dos olhos dos anjos
Lágrimas de encantamento
Abençoarão os espaços infinitos
Na espiral luminosa da evolução.

Cecília Dalva
Garça(SP): Dia dos Pais-1975

Novos acordes
O violino do Sr. Benigno ficou sob a guarda de seu neto Fábio Ricardo. Mesmo guardando-o com todo zelo, o instrumento nunca mais foi tocado e já ia apresentando sinais da ação do tempo. Um violino guardado...apenas um objeto estimado, remetendo a lembrança de tempos idos.
Tal situação causava um certo desconforto em Fábio Ricardo e sua mãe...Instrumento tocado é instrumento VIVO!
Movido por este desejo Fábio Ricardo manifestou o interesse em repassar o violino para quem o tocasse...
Gabriel Vieira foi quem adquiriu o instrumento. O violinista de 20 anos, de Joinville, integra a Orquestra da Sociedade Cultura Artística (Scar), em Jaraguá do Sul, dá aulas de música, comanda um estúdio de gravação e ainda arranja tempo para tocar na noite joinvilense. Ele também cursa a faculdade de música, que o mantém de terça a quinta-feira em Florianópolis.  O violino do Sr. Benigno não poderia estar em mãos mais talentosas. E uma das sua primeiras ações foi encaminhá-lo a um luthier especializado, para que o violino recebesse os cuidados necessários. O resultado foi excelente e entre notícias do processo de recuperação, Gabriel anuncia que o violino seria "batizado" de Italianinho. em respeito a sua origem.

Um presente para Fábio
Fábio, o neto do Sr. Benigno se emociona ainda ao relembrar o avô tocando o violino...fez parte da sua infância os afinados acordes tocados pelas mãos hábeis daquela figura tão bondosa empunhando seu instrumento.
Baseado nestes relatos uma música tocada no Italianinho por Gabriel Vieira foi o presente-surpresa de Fábio, por ocasião de seu aniversário. Wave de Tom Jobim foi a música escolhida. Reunidos, amigos e aniversariante surpreenderam-se com o conjunto-fenômeno "violino e violinista". Gabriel e o seu Italianinho despertaram suspiros, sorrisos e lágrimas. Emocionaram.




Encantada...movida pela poética da emoção compartilhada, empresto as palavras de José Saramago para externar meu sentimento de GRATIDÃO!


Em violino fado - José Saramago 

Ponho as mãos no teu corpo musical 
Onde esperam os sons adormecidos. 
Em silêncio começo, que pressente 
A brusca irrupção do tom real. 
E quando a alma ascendendo canta 
Ao percorrer a escala dos sentidos, 
Não mente a alma nem o corpo mente. 
Não é por culpa nossa se a garganta 
Enrouquece e se cala de repente 
Em cruas dissonâncias, em rangidos 
Exasperantes de acorde errado.

Se no silêncio em que a canção esmorece 
Outro tom se insinua, recordado, 
Não tarda que se extinga, emudece: 
Não se consente em violino fado.



                                      Gratidão à Cecília Dalva, por presentear-nos com suas doces lembranças,
Gratidão à Gabriel Vieira e sua arte admirável,
Gratidão à Fábio Ricardo por compartilhar comigo, suas emoções,
Gratidão e honra à memória de Benigno Silva, que fez chegar a mim, 
os acordes de sua passagem por aqui. 











3 comentários:

  1. Que história linda. Um violino cheio de história, carregadinho de emoções não merecia ficar guardado. Bela atitude de desapego. Amei.

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  2. Emocionadíssima, só poderia ser Cecilia, só poderia emoçao e musica essa história.....amei!!!!

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